segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A outra estória

Rapunzel estava presa na torre mais alta da antiga floresta. Ops! errei essa é a estória sem graça da branca "perfeita", feita com dedos sujos de preguiçosos sem identidade, a estória da negra é diferente...




Olivia Guerreira é uma linda jovem de cabelo crespo, lábios carnudos, olhos cor de jabuticaba e pele negra que brilha intensa com a luz da lua. Injustiçada foi acorrentada na escuridão da floresta branca, condenada até a morte por uma bruxa muito má, está presa há 06 anos porque deu com a vassoura na cara da bruxa racista.
Foi num dia comum que ela se expressou na mais íntima postura de ser humano autêntico.
Sua rotina diária era lavar roupas, fazer a comida e cuidar do bebê da família, era pobre e se mantinha com os restos de comida e um banho gelado que tinha direito de tomar no final do dia, somente quando as tarefas acabavam.
Imagine você, que mesmo fazendo tudo isso ela não tinha paz, a velha senhora grudenta ficava no seu pé o dia todo, pronta para dizer:

- Olívia!
– Que comida horrível, você não sabe cozinhar.
- Olívia!
– Vá limpar o porão está uma bagunça
- Olívia! Olívia! Olívia!

Os dias, meses e anos foram passando e o peito de Olívia ficava cada vez mais apertado, não tinha vontades e nem a esperança de ser feliz um dia.
Depois que atacou a velha com a vassoura até estourar seu nariz, foi condenada a morte e sua cor não lhe dava direito de resposta, porque a ação do não estava imposta.
Ela sempre ouviu esses contos de fadas, mas por ser negra não se encaixava nessas estórias que traziam apenas os brancos na mais alta "perfeição" (padrão que só os brancos racistas definiam, padronizavam, determinavam), então Olívia fazia na sua cabeça o imaginário se tornar verdadeiro. Pensava todos os dias que numa noite de lua cheia seu amado viria para libertá-la e juntos derrotariam todo o pré conceito dessa estória e viveriam felizes para sempre.
Olívia cantava todas as noites de lua cheia na esperança de que o amado seguiria sua voz e a libertaria.

Aqui trancada na escuridão
A luz da lua cheia arromba a fresta da telha
Imagino você, meu nego, vem me buscar
Sou de beleza rica, ancestral, ÁFRICA
Espero sem secar
Ai de chegar o meu dia de mudar
Colocar pra cima a poeira da neblina
Encantar o sol e o mar feito purpurina
Me entregar aos seus beijos lindos
Negros
Com voz suave acalento seu ego
Nos tornamos um só
Sentimento, cor e respeito
Quero aflorar sem medo.

Passaram-se muitos anos e os cabelos de Olívia estavam dando voltas na cela escura, a torre era muito alta e impossível de descer sozinha.
No uivar dos lobos a lua cheia nasceu e cobriu o céu de vermelho, amarelo e negro, estava uma noite fria e a neblina cercava os morros da floresta branca.
Ela estava cansada e triste, pra espantar os males começou a cantar ...

Foi quando ouviu um barulho, o cachorro de três cabeças – o guardião da torre - estava bravo e não parava de latir. Olívia parou a cantoria e foi na fresta da janela para ver se conseguia observar algo.
De repente o barulho do cachorro parou e o que se ouvia era um grande murmurinho, pato, macaco, elefante, onça, coruja, tudo estava misturado.
Ela se assustou pensando que haviam arrumado outro guardião para vigiá-la.
Mas não, os animais da floresta se reuniram para ajudar a bela fugir, logo foram se reunindo um a um em frente a torre.
- Olívia! Quebre a janela, vamos ajudá-la. - Falou a coruja
Os animais enfileirados montaram uma pirâmide gigante, a coruja foi a última a subir, levando consigo pedras mágicas que fizeram com que a janela explodisse.
- Jogue as tranças Olívia! - Falou a onça
Ela ajeitou seu enorme cabelo que era muito forte e jogou torre abaixo, estava ansiosa, afinal era a primeira vez que encontraria o seu príncipe.
Jonas um negro lindo de sorriso doce e convidativo sobe a torre nas tranças de Olívia, ao chegar no topo os dois se abraçam.
- Vim o mais rápido que pude querida! - disse o príncipe
- Como é bom chorar de alegria - disse ela
Olívia no momento em que viu o príncipe sabia que o motivo da aparição dele não era somente para salvá-la, havia algo mais, fortalecer a união para ajudar outras pessoas que estavam sofrendo.
Então eles se abraçaram num movimento uniforme de gesto simples carinhoso se olharam profundamente.
Embalados pela dor e pela coragem decidem libertar os outros empregados confinados no casarão e com a ajuda dos animais da floresta os guerreiros se armam de lanças, pedras e paus, vão pra cima dos guardiões, derrubam o castelo da ignorância, penduram a vergonha, degolam os mitos e tomam pra si tudo que um dia lhes foi proibido.
Numa luta acirrada eles conseguem libertar os irmãos, todos fogem juntos para o morro mais distante da mata e fundam o Quilombo da Amizade.
Dizem que até hoje, ao longe no último morro da grande floresta branca pode-se ouvir o canto da bela Olívia, que agora é feliz.
Olívia vive num mar de realeza, percebeu que a sua grandeza pode realizar muitas coisas, quebrar barreiras. Ela não se casou com o príncipe que a libertou, isso é coisa de conto de farsas. Ela aprendeu que na vida real para se unir a alguém deve-se amar muito esta pessoa, respeitar, conhecer seus defeitos e qualidades e se quiser aí sim poderá estudar, estudar, casar, ter filhos ou ser e fazer qualquer outro tipo de coisa. Estava livre, comandando o seu traçado na vida de forma limpa, bonita e do seu jeito.

Samanta Biotti

Luz e Sombra


Hoje sinto o mundo sem colocar os pés no chão
Vejo as águas se encontrarem e tanto faz
O balançar das folhas nas árvores
Não vejo graça
Percebo o seu coração acelerado
O meu não
Seu espelho reflete um sorriso largo
O meu não
Há tantos tabus
Dentro e fora de casa
A liberdade da águia quando voa
Eu vejo
A minha não
O vermelho sangue se espalhou no roxo
Meu medo se rebelou
A loucura se instalou
A cabeça cede
A lágrima quente escorre
O vento apaga a vela branca
Me vejo do alto naquela caixa quadrada
Cheia de flores rosas
Deixo meu corpo e sigo
Em direção a luz forte
Que me embala, conforta
Faz lembrar o pai que não está
Enfim fecho os olhos
O corpo fingi cair e eu flutuo
Sem mais preces.



Samanta Biotti