quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A Confissão



Seis horas da manhã, ela já estava acordada colocou um vestido preto estilo tubinho, sua aparência cansada denunciava as noites que passava em claro, olhos fundos rodeados pela cor roxa, sozinha subiu no topo do prédio onde mora, foi de escadas para evitar o tédio do elevador, carregava apenas uma mala. Jogou fora seus livros, roupas e lembranças. O vento soprava nos seus cabelos e o frio da ansiedade e desespero a encontraram.
Aqui estou eu, mas quem é esse eu? Fui a tantos lugares, me diverti, frustrei-me, chorei como idiota. Ela sentiu o grito no íntimo do seu ego, mas a resposta não foi ouvida.
Mas quem sou eu? Perguntava ela
Uma figura ilustrada com alma dentro?
Não sei. Essa eu respondi rindo.
Pensou em pular lá de cima, de repente, quem sabe não criava asas? (Risos)
Ou então cairia feito pedra se espalhando lá embaixo. Quem passasse, ficaria horrorizado olhando com piedade para o corpo vazio, encharcado do vermelho denso sangue, deixou sair pela boca amarga a solução errada de uma questão impossível de acertar.
Coitada! Estava indecisa, mas a morte não assombra como a vida que deixa mais marcas, os dias passam num ritmo acelerado, descompassado, a música toca e o vento balança as folhas das árvores.
Não digo que amo o tanto que amo e muitas vezes, tenho tanto medo, angústia entrelaçada com o desespero.
Talvez ela não passe de uma massa que abre os olhos todas as manhãs. (Sarcástico)
Quem sou eu? Um labirinto de incertezas e queixas?
Não só, mas o sorriso já não abre sozinho, há muito sofrimento, muita dor.
Quem causa?
Essa eu ri muito dizendo: Não olhe pra mim menina! Olhe pra si.
Abriu a mala preta tirou o que precisava, com delicadeza foi com calma na montagem.
Olhou mais uma vez para o céu, viu os pombos e as formigas lá embaixo, respirou fundo e percebeu que as suas mãos estavam frias, mas sob controle, o medo passou e a certeza completou o movimento para ação, se entregou completamente ao homem, não percebeu o abuso, a enganação, a prisão da mente e da carne enclausuradas nas mãos de um louco.
Deu dois passos a frente e ficou estática, tentou não pensar em nada, o coração batia mais forte. Sentiu que deveria tirá-lo do peito, ficar só com a razão, deixar o sentimento de lado e viver em busca de um propósito reto, largo, exato.
Como se houvesse algum, o que é? Não posso incentivar isso. (Risos) O ser humano é uma incógnita, pode fazer de tudo, mas escolhe o lado oposto da coisa, melhor para mim. Ah! Essa é a parte que eu mais gosto.
Ouvi o disparo, a matéria cedeu esquecendo-se da gravidade, primeiro um dos pés, depois o corpo todo. Abri um sorriso. E então ela caiu, ainda estava viva, tentou soltar um grito, mas a pressão do ar era muito forte, seus olhos vermelhos lembravam o fogo, pude sentir a ardência, seu estômago diminuiu, a pressão é grande demais e quando acabou lá estava eu esperando, só para ter certeza. Acabei jogando uma rosa branca em cima do corpo, queria deixar o ambiente mais adequado. Depois fui tomar um café na padaria ao lado do prédio, e olha só que engraçado, encontrei outra paixão! Luciene linda menina de coração puro, me lembrou uma artista que vi na televisão e se terminar igual, não é culpa minha. Nunca foi minha culpa! Elas que me estragam.

Um dia



Queria eu poder falar de belas marcas
Do jardim floresta
Da amizade sincera
Queria eu poder falar sem miséria
Com cartelas de beijos e abraços
Mas não posso...
Minha boca está trancada
Meus olhos cheios de fumaça
Meus pulmões alastrados de cola
Casa que alaga quando chove
Minha contribuição que some
Meus direitos de cidadão?
Não tenho mais documentos que comprovem
Mesmo que tivesse
A condição limita, congela o meu acesso
Da ponte pra cá só revolta
Impotência
Deus dará?
Me resta tentar dormir
Sonhar outro futuro
Imaginar outro mundo
Como a TV que me engana
Nos dias de loucura à realidade
Censura do grito
Amacia a mente, neutraliza o pensar
Mas sou forte
Venço a correnteza que tenta me parar
Idealizo a nossa gente vencendo
Os morros, oh! Morros
Que de favela se transformaram
Em cidade pra todos nós
Tudo o que é bom cresce nesse lugar
Sorrisos espalhados
Andarilhos de caminhos sem fim
Mil e uma escolhas
Queria eu poder falar ....