terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Prefeitura ... só de passagem

Texto inspirado no trampo que meu marido Sidnei fez na favela

 

 Tempestade
Movimento
Ação do vento sobre a água
Força da natureza contra os homens
Condição sub humana
Famílias desoladas
Terra que cai de desgosto
Encharcando o esgoto
Que corre em direção as casas
Barracos, moradas
Mães, tias, irmãs
Não conseguem ver o rosto
Dessa gente machucada
Passa um, dois, três meses e nada
Nenhuma providência é tomada
Ninguém se preocupa com a classe operária
Existe um grupo abaixo da sobrevivência
Tiquatira, zona leste, norte e oeste
Povo que tem como piso o chão escuro, podre
Água gelada é ouro
Comida nem se fala
Aqui também tem deficiente, idosos
Crianças de pé no chão o dia inteiro
Se pegar fogo na área, não tem água
Só confusão
Pra chamar a atenção precisam
Queimar pneus na Marginal
O reforço policial?
Chega com bombas de efeito moral
A dona Maria tem medo
Seu filho que tem deficiência está na cama
O policial se diverte, fala que vai tacar bomba
Matar todos, deve ser este o seu trabalho
O povo sobrevivente espera ansioso uma morada
Estão fazendo o meu cadastro
A esperança está lançada!
E quem sabe eu sobreviva para ver
minha casa do CDHU

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Poema de amor

Na última sexta-feira o coletivo do sarau da brasa atravessou a ponte até Itaquera pra comungar a palavra, o som do tambor somado ao pandeiro, berimbau e a energia dos meninos misturada a nossa trouxe mais satisfação e ânimo pra seguir na caminhada.
Esta dedico ao Welington que está confinado na Fundação Casa, ele me pediu um poema que falasse de amor.



Acordei com os olhos ardendo
Era muito cedo
Coração disparado
Um tremendo frio na barriga
Pensei que estava doente
Então ...
Fui ao médico, tomei um passe
Fiz prece, reza, pulei até 500
Pra São longuinho e nada de passar
Durante a noite me deu febre
Meus lábios estavam quentes demais
A roupa do corpo ensopada
Pensei
Meu deus! Vou morrer
Então desmaiei de sono
Cansado, atordoado, preso
Desesperado

Amanheceu
O sol brilhava na cor lilás
Os pássaros cantavam alegremente
Saí para dar uma volta
Foi quando as sensações da noite passada voltaram
Tudo ao mesmo tempo
Pulsação rápida, vento, olhos arregalados
Pernas tremendo
Silêncio na rua, nenhum movimento
Todos quietos esperavam
A resposta
É o momento, ela vem
Calma, linda no seu próprio balanço
Dita os meus sentidos
Afoga o meu calor no seu íntimo
Suave palavra, dengoso afago
Captura a minha alma
Cabelos curtinhos, um charme de moça
Descobri neste dia
Que a paixão me tomou
Era ela que causava tanta dor

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A Confissão



Seis horas da manhã, ela já estava acordada colocou um vestido preto estilo tubinho, sua aparência cansada denunciava as noites que passava em claro, olhos fundos rodeados pela cor roxa, sozinha subiu no topo do prédio onde mora, foi de escadas para evitar o tédio do elevador, carregava apenas uma mala. Jogou fora seus livros, roupas e lembranças. O vento soprava nos seus cabelos e o frio da ansiedade e desespero a encontraram.
Aqui estou eu, mas quem é esse eu? Fui a tantos lugares, me diverti, frustrei-me, chorei como idiota. Ela sentiu o grito no íntimo do seu ego, mas a resposta não foi ouvida.
Mas quem sou eu? Perguntava ela
Uma figura ilustrada com alma dentro?
Não sei. Essa eu respondi rindo.
Pensou em pular lá de cima, de repente, quem sabe não criava asas? (Risos)
Ou então cairia feito pedra se espalhando lá embaixo. Quem passasse, ficaria horrorizado olhando com piedade para o corpo vazio, encharcado do vermelho denso sangue, deixou sair pela boca amarga a solução errada de uma questão impossível de acertar.
Coitada! Estava indecisa, mas a morte não assombra como a vida que deixa mais marcas, os dias passam num ritmo acelerado, descompassado, a música toca e o vento balança as folhas das árvores.
Não digo que amo o tanto que amo e muitas vezes, tenho tanto medo, angústia entrelaçada com o desespero.
Talvez ela não passe de uma massa que abre os olhos todas as manhãs. (Sarcástico)
Quem sou eu? Um labirinto de incertezas e queixas?
Não só, mas o sorriso já não abre sozinho, há muito sofrimento, muita dor.
Quem causa?
Essa eu ri muito dizendo: Não olhe pra mim menina! Olhe pra si.
Abriu a mala preta tirou o que precisava, com delicadeza foi com calma na montagem.
Olhou mais uma vez para o céu, viu os pombos e as formigas lá embaixo, respirou fundo e percebeu que as suas mãos estavam frias, mas sob controle, o medo passou e a certeza completou o movimento para ação, se entregou completamente ao homem, não percebeu o abuso, a enganação, a prisão da mente e da carne enclausuradas nas mãos de um louco.
Deu dois passos a frente e ficou estática, tentou não pensar em nada, o coração batia mais forte. Sentiu que deveria tirá-lo do peito, ficar só com a razão, deixar o sentimento de lado e viver em busca de um propósito reto, largo, exato.
Como se houvesse algum, o que é? Não posso incentivar isso. (Risos) O ser humano é uma incógnita, pode fazer de tudo, mas escolhe o lado oposto da coisa, melhor para mim. Ah! Essa é a parte que eu mais gosto.
Ouvi o disparo, a matéria cedeu esquecendo-se da gravidade, primeiro um dos pés, depois o corpo todo. Abri um sorriso. E então ela caiu, ainda estava viva, tentou soltar um grito, mas a pressão do ar era muito forte, seus olhos vermelhos lembravam o fogo, pude sentir a ardência, seu estômago diminuiu, a pressão é grande demais e quando acabou lá estava eu esperando, só para ter certeza. Acabei jogando uma rosa branca em cima do corpo, queria deixar o ambiente mais adequado. Depois fui tomar um café na padaria ao lado do prédio, e olha só que engraçado, encontrei outra paixão! Luciene linda menina de coração puro, me lembrou uma artista que vi na televisão e se terminar igual, não é culpa minha. Nunca foi minha culpa! Elas que me estragam.

Um dia



Queria eu poder falar de belas marcas
Do jardim floresta
Da amizade sincera
Queria eu poder falar sem miséria
Com cartelas de beijos e abraços
Mas não posso...
Minha boca está trancada
Meus olhos cheios de fumaça
Meus pulmões alastrados de cola
Casa que alaga quando chove
Minha contribuição que some
Meus direitos de cidadão?
Não tenho mais documentos que comprovem
Mesmo que tivesse
A condição limita, congela o meu acesso
Da ponte pra cá só revolta
Impotência
Deus dará?
Me resta tentar dormir
Sonhar outro futuro
Imaginar outro mundo
Como a TV que me engana
Nos dias de loucura à realidade
Censura do grito
Amacia a mente, neutraliza o pensar
Mas sou forte
Venço a correnteza que tenta me parar
Idealizo a nossa gente vencendo
Os morros, oh! Morros
Que de favela se transformaram
Em cidade pra todos nós
Tudo o que é bom cresce nesse lugar
Sorrisos espalhados
Andarilhos de caminhos sem fim
Mil e uma escolhas
Queria eu poder falar ....


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Assunto nosso

Céu e Inferno
Fotografias de Joel-Peter Witkin
Celas da Inquisição, Ala Norte - Pátio da inquisição




Após reação da Igreja Católica, Lula recua sobre defesa do aborto

Depois da reação da Igreja Católica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou rever o trecho pró-aborto no decreto do 3° Plano Nacional de Direitos Humanos, alegando que ele não traduz a posição do governo, informa reportagem da colunista Eliane Cantanhêde, publicada nesta terça-feira (12) pela Folha (a íntegra está disponível para assinantes do jornal e do UOL).
Pela nova redação, o texto deverá fazer uma defesa genérica do aborto, no contexto de saúde pública --para salvar a vida da mãe, por exemplo. Também haverá alterações na parte que trata da violação de direitos humanos na ditadura.

Leia a íntegra dos três programas de direitos humanos na folha online - www.folha.com.br/100118


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Rosana Henrique Acalenta Simplório



Foi na manhã de sexta-feira do dia 30 de Outubro de um ano qualquer que ela surtou de vez, começou pelo espelho do banheiro. Quebrou cada partícula daquela imagem falsa que representava a sua auto-estima, não era gorda nem magra, a cor de sua pele era amarela com branco, misturada ao preto coberta de vermelho e seus olhos fundos, estavam envoltos da cor roxa escura. Os cabelos pretos estavam embaraçados opacos e como o seu coração não balançavam. Ela acabou se cortando com os vidros no chão, mas estava tão puta que ignorava a dor dos pés, tentando disfarçar o seu pior medo, aquilo que estava sentindo dentro do peito era muito forte, sua carcaça não iria suportar, suas mãos trêmulas não conseguiam se quer acender um cigarro. Patética ela senta na escada de sua casa e chora. Olha para os lados, não há ninguém a não ser seus fantasmas. Seu marido morreu no verão passado o único filho que teve também. No jornal disseram que foi acidente, mas pra ela foi assassinato mesmo, ninguém gosta de ver o outro alegre.
Ela sempre diz que a felicidade não existe e o que a torna presente em nós é exatamente a busca por ela. Dois anos antes Rosana estava muito bem, escritora com devoção, conseguiu vender muitos de seus livros, mora numa casa no meio do mato em Mogi das Águas. Para ela um sonho de consumo, animais, mata, tranqüilidade fora do transtorno mecânico da cidade que mata aos poucos seus habitantes que vivem alucinados feito ratos de laboratório. Cidade grande é bicho que engole bicho.

Rosana se fechou para o mundo real e criou a fantasia de um mundo seu.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A outra estória

Rapunzel estava presa na torre mais alta da antiga floresta. Ops! errei essa é a estória sem graça da branca "perfeita", feita com dedos sujos de preguiçosos sem identidade, a estória da negra é diferente...




Olivia Guerreira é uma linda jovem de cabelo crespo, lábios carnudos, olhos cor de jabuticaba e pele negra que brilha intensa com a luz da lua. Injustiçada foi acorrentada na escuridão da floresta branca, condenada até a morte por uma bruxa muito má, está presa há 06 anos porque deu com a vassoura na cara da bruxa racista.
Foi num dia comum que ela se expressou na mais íntima postura de ser humano autêntico.
Sua rotina diária era lavar roupas, fazer a comida e cuidar do bebê da família, era pobre e se mantinha com os restos de comida e um banho gelado que tinha direito de tomar no final do dia, somente quando as tarefas acabavam.
Imagine você, que mesmo fazendo tudo isso ela não tinha paz, a velha senhora grudenta ficava no seu pé o dia todo, pronta para dizer:

- Olívia!
– Que comida horrível, você não sabe cozinhar.
- Olívia!
– Vá limpar o porão está uma bagunça
- Olívia! Olívia! Olívia!

Os dias, meses e anos foram passando e o peito de Olívia ficava cada vez mais apertado, não tinha vontades e nem a esperança de ser feliz um dia.
Depois que atacou a velha com a vassoura até estourar seu nariz, foi condenada a morte e sua cor não lhe dava direito de resposta, porque a ação do não estava imposta.
Ela sempre ouviu esses contos de fadas, mas por ser negra não se encaixava nessas estórias que traziam apenas os brancos na mais alta "perfeição" (padrão que só os brancos racistas definiam, padronizavam, determinavam), então Olívia fazia na sua cabeça o imaginário se tornar verdadeiro. Pensava todos os dias que numa noite de lua cheia seu amado viria para libertá-la e juntos derrotariam todo o pré conceito dessa estória e viveriam felizes para sempre.
Olívia cantava todas as noites de lua cheia na esperança de que o amado seguiria sua voz e a libertaria.

Aqui trancada na escuridão
A luz da lua cheia arromba a fresta da telha
Imagino você, meu nego, vem me buscar
Sou de beleza rica, ancestral, ÁFRICA
Espero sem secar
Ai de chegar o meu dia de mudar
Colocar pra cima a poeira da neblina
Encantar o sol e o mar feito purpurina
Me entregar aos seus beijos lindos
Negros
Com voz suave acalento seu ego
Nos tornamos um só
Sentimento, cor e respeito
Quero aflorar sem medo.

Passaram-se muitos anos e os cabelos de Olívia estavam dando voltas na cela escura, a torre era muito alta e impossível de descer sozinha.
No uivar dos lobos a lua cheia nasceu e cobriu o céu de vermelho, amarelo e negro, estava uma noite fria e a neblina cercava os morros da floresta branca.
Ela estava cansada e triste, pra espantar os males começou a cantar ...

Foi quando ouviu um barulho, o cachorro de três cabeças – o guardião da torre - estava bravo e não parava de latir. Olívia parou a cantoria e foi na fresta da janela para ver se conseguia observar algo.
De repente o barulho do cachorro parou e o que se ouvia era um grande murmurinho, pato, macaco, elefante, onça, coruja, tudo estava misturado.
Ela se assustou pensando que haviam arrumado outro guardião para vigiá-la.
Mas não, os animais da floresta se reuniram para ajudar a bela fugir, logo foram se reunindo um a um em frente a torre.
- Olívia! Quebre a janela, vamos ajudá-la. - Falou a coruja
Os animais enfileirados montaram uma pirâmide gigante, a coruja foi a última a subir, levando consigo pedras mágicas que fizeram com que a janela explodisse.
- Jogue as tranças Olívia! - Falou a onça
Ela ajeitou seu enorme cabelo que era muito forte e jogou torre abaixo, estava ansiosa, afinal era a primeira vez que encontraria o seu príncipe.
Jonas um negro lindo de sorriso doce e convidativo sobe a torre nas tranças de Olívia, ao chegar no topo os dois se abraçam.
- Vim o mais rápido que pude querida! - disse o príncipe
- Como é bom chorar de alegria - disse ela
Olívia no momento em que viu o príncipe sabia que o motivo da aparição dele não era somente para salvá-la, havia algo mais, fortalecer a união para ajudar outras pessoas que estavam sofrendo.
Então eles se abraçaram num movimento uniforme de gesto simples carinhoso se olharam profundamente.
Embalados pela dor e pela coragem decidem libertar os outros empregados confinados no casarão e com a ajuda dos animais da floresta os guerreiros se armam de lanças, pedras e paus, vão pra cima dos guardiões, derrubam o castelo da ignorância, penduram a vergonha, degolam os mitos e tomam pra si tudo que um dia lhes foi proibido.
Numa luta acirrada eles conseguem libertar os irmãos, todos fogem juntos para o morro mais distante da mata e fundam o Quilombo da Amizade.
Dizem que até hoje, ao longe no último morro da grande floresta branca pode-se ouvir o canto da bela Olívia, que agora é feliz.
Olívia vive num mar de realeza, percebeu que a sua grandeza pode realizar muitas coisas, quebrar barreiras. Ela não se casou com o príncipe que a libertou, isso é coisa de conto de farsas. Ela aprendeu que na vida real para se unir a alguém deve-se amar muito esta pessoa, respeitar, conhecer seus defeitos e qualidades e se quiser aí sim poderá estudar, estudar, casar, ter filhos ou ser e fazer qualquer outro tipo de coisa. Estava livre, comandando o seu traçado na vida de forma limpa, bonita e do seu jeito.

Samanta Biotti

Luz e Sombra


Hoje sinto o mundo sem colocar os pés no chão
Vejo as águas se encontrarem e tanto faz
O balançar das folhas nas árvores
Não vejo graça
Percebo o seu coração acelerado
O meu não
Seu espelho reflete um sorriso largo
O meu não
Há tantos tabus
Dentro e fora de casa
A liberdade da águia quando voa
Eu vejo
A minha não
O vermelho sangue se espalhou no roxo
Meu medo se rebelou
A loucura se instalou
A cabeça cede
A lágrima quente escorre
O vento apaga a vela branca
Me vejo do alto naquela caixa quadrada
Cheia de flores rosas
Deixo meu corpo e sigo
Em direção a luz forte
Que me embala, conforta
Faz lembrar o pai que não está
Enfim fecho os olhos
O corpo fingi cair e eu flutuo
Sem mais preces.



Samanta Biotti